Saúde não tem preço! Mas tem custo
- Dr. Eduardo Arantes
- 19 de ago. de 2022
- 6 min de leitura
A frase no título deste artigo não é minha. Não sei onde li ou ouvi, mas nunca saiu da minha cabeça.
Uma extensa reportagem, publicada na revista Harvard Business Review, tinha como título "Saúde tem preço”! Foram mais diretos que eu no meu título e, esta reportagem, será a base e foi minha inspiração para o que você lerá a seguir, pois discutiremos os modelos de pagamento em saúde. Se tem preço, alguém tem que pagar.
Nosso sistema de saúde é muito fragmentado, um verdadeiro labirinto, onde o paciente tenta “navegar” entre cuidados primários (tão pouco valorizados), as especialidades e os serviços hospitalares. Só para lembrar e para jogar mais gasolina na fogueira, o sistema é pressionado por uma exorbitante inflação médica. Como sair do modelo reativo, fragmentado e paternalista para proativo, descentralizado e com financiamento do resultado. Há uma clara cultura de resistência e de não mudança do status quo.
O erro no modelo de gestão da saúde, poderia ser considerado um “erro médico”?
O Institute for Healthcare Improvement (IHI) dos EUA propôs uma tripla meta (triple aim) em 2008:
(i) Melhorar a experiência com o cuidado (assistência segura, efetiva e confiável),
(ii) Reduzir custos e
(iii) Melhorar a saúde da população (com ações de prevenção, bem-estar e controle de condições crônicas).
Como estamos falando de preço e custo, o valor em saúde é calculado pelo resultado alcançado, dividido pelo custo do serviço. Duas variáveis que não podem ser tratadas separadamente.
Mas qual modelo de pagamento poderia contribuir para o atingimento destas metas e a criação de valor em saúde? Como alcançar os melhores resultados por um custo menor?
Sempre começo e termino meus artigos com o “básico”: continuamos priorizando assistência sintomática para doenças que precisam de monitoramento permanente e sabemos que atenção básica eficiente resolve boa parte dos casos.
MODELOS DE REMUNERAÇÃO DOS SERVIÇOS MÉDICOS
Vamos conhecer alguns modelos. O pagamento pelos serviços de saúde, no Brasil e em boa parte do mundo, é o chamado Fee For Service (FFS), ou seja, pague pelo que utilizou. Nós usamos muito, pedimos muitos exames, fazemos muitas cirurgias e nos internamos muito. Quais seriam os motivos principais de tanto uso? Provoco: seria o FFS ou por que estamos mais doentes? Seria o FFS ou por que não privilegiamos as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças?
O FFS pode ser um grande vilão, pois ele recompensa somente a quantidade, não a qualidade ou os bons resultados dos serviços médicos. Hoje coexistem, por exemplo, tratamento mal coordenado e serviços duplicados. Outro exemplo: uma reinternação por uma complicação médica em decorrência de erro médico ou uma evolução clínica ruim, serão remuneradas novamente. Recompensamos, em alguns casos, maus resultados.
No modelo Diagnosis Related Groups (DRG) a remuneração é feita mediante um único pagamento para um conjunto de serviços prestados, conforme o diagnóstico. O modelo não considera o ciclo completo de tratamento das doenças e por este motivo não será discutido neste artigo. Outras críticas ao modelo: os pagamentos são fragmentados para cada especialista, não reduz o desperdício, falta coordenação, não remunera os resultados e não inclui prevenção e aconselhamento. Não sou muito fã do modelo, mas é só minha opinião.
REEMBOLSO BASEADO EM VALOR
Outro modelo de remuneração é o “reembolso baseado em valor”. O reembolso baseado em valor tem duas abordagens totalmente diferentes de pagamento: capitation e bundled services.
No capitation a prestadora de serviços recebe um pagamento per capita ano e deve atender a todas as demandas dos pacientes. O valor pode ser ajustado conforme necessidades específicas e uma sólida base epidemiológica é fundamental para o modelo.
No bundled a prestadora recebe um valor que deverá cobrir todos os serviços prestados ao paciente durante todo o ciclo de tratamento de uma determinada doença, incluindo exames, medicamentos, aparelhos, etc. Geralmente é assim que pagamos pelos produtos e serviços. Primeiro ponto positivo do modelo.
Vamos conhecê-los melhor.
CAPITATION
Começaremos com algumas críticas ao modelo capitation.
O conceito de saúde populacional, comum no capitation, reforça cuidados primários e preventivos (o que é bom), mas como cuidar da saúde de uma população diversificada e com alta rotatividade, pensando no mundo corporativo, que hoje mantém os planos de saúde para seus funcionários? Aqui também há um reembolso pelo volume de serviços, erro crasso do modelo FFS. Outro problema, o modelo capitation reforça sua receita com a classificação de risco populacional, ou seja, quanto mais comorbidades, quanto maior o risco, maior a cobrança.
O modelo também limita a escolha do paciente e consequentemente a competição, pois estimula o uso da rede própria. Se eu utilizar um serviço fora da rede, mesmo com melhores resultados, pagaria valores extras. O modelo estimula as fusões, reduz a concorrência e pode trazer economia somente no curto prazo, além de não premiar o resultado. Neste modelo, há uma transferência, das seguradoras para os médicos, a tarefa de gerenciar a quantidade, a forma e o custo dos serviços. Pagar diretamente aos prestadores de serviço, sem passar pelas seguradoras, pode ser um benefício do modelo e seria indicado para os hospitais privados que atendam ao SUS, por exemplo.
BUNDLED SERVICES
Este é um modelo que eu, particularmente, gostaria de ver implantado, por este motivo você lerá mais elogios do que críticas, mas faça sua própria avaliação.
No modelo bundled services paga-se um valor único por um pacote de serviços. Quando compramos um carro, não compramos o motor de um fornecedor e os pneus de outro, como exemplo, muito menos recebemos várias notas fiscais. Hoje, fazemos os exames num laboratório, a cirurgia num hospital e o pós-operatório no consultório, fora do hospital.
Já temos alguns modelos bem-sucedidos de bundled services: transplante de órgãos, cirurgia plástica e fertilização in vitro. Para funcionar bem, este modelo deve depender de:
(i) bons resultados, como por exemplo, retorno a função normal, redução da dor e redução de complicações;
(ii) pagamento ajustado de acordo com o risco;
(iii) pagar mais aos serviços mais eficazes e eficientes e
(iv) eventos catastróficos não são de responsabilidade dos prestadores. Mesmo assim, o risco recai sobre o prestador.
A atuação de médicos clínicos e enfermeiros após a alta é fundamental para o sucesso do modelo, bem como a formação de unidades especializadas em determinadas condições médicas, pois torna a equipe altamente especializada e experiente. Os dois últimos modelos poderão ser virtuais e ganharam força após a pandemia. No Brasil, a maioria dos hospitais são gerais. No buldled services, há necessidade de hospitais especializados, o que poderia ser um entrave para algumas regiões do Brasil, especialmente regiões menos desenvolvidas. A criação de Unidades de Práticas Integradas (UPI) com equipes multidisciplinares, especialistas médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, etc. podem auxiliar na implantação. As equipes de atenção primária (menina dos olhos da saúde corporativa) têm um papel fundamental neste modelo para gerir melhor o ciclo de atendimento e o manejo das comorbidades. Que tal toda a equipe ser responsável por atingir os resultados e reduzir custos? Parece ser um bom modelo.
Pensando em valor em saúde, compreender os custos reais que cada etapa do tratamento e eliminar terapias que não tem resultados positivos, podem impactar positivamente na redução destes custos. Não é um modelo simples, pois a definição do escopo de uma condição médica e o ciclo de tratamento são complexos, o trabalho em equipe na saúde é sempre difícil, os dados sobre resultados e custos são fragmentados e a classificação de risco dos pacientes também é uma tarefa difícil de avaliar. Gostaria muito de superar estas barreiras e implantar o modelo no nosso país. Diabetes tipo 2, DPOC, algumas patologias ortopédicas como cirurgias para substituição de quadril e joelho, poderiam ser bons modelos para “teste”. Alguns países já implantaram o modelo, como a Holanda e a Suécia. O Medicare americano também tem boa experiência.
Unir qualidade e custo, na saúde, não é uma tarefa fácil. Mas o modelo só funciona com cirurgias eletivas e condições clínicas agudas bem definidas? Seria complexo implantar em condições não cirúrgicas, doenças crônicas e atenção primária?
Doenças crônicas necessitam de longitudinalidade, coordenação do cuidado e atuação de uma equipe multidisciplinar o que estaria contemplado no modelo. Atenção primária exige segmentação e prevenção e o modelo bundled services recompensa serviços integrados. As prioridades são a manutenção do estado de saúde, prevenção do desenvolvimento de doenças e de recaídas. O tratamento de condições complexas e agudas deverá ficar fora da atenção primária. Temos experiência de APS “in company” onde condições agudas de rotina são muito bem resolvidas pela equipe médica. Sugiro começarmos por condições médicas que representam os maiores custos.
Os pacientes poderiam escolher os melhores serviços para sua condição clínica? Mais uma vez a saúde corporativa poderia ter um papel preponderante e encaminhar seus “funcionários” para os melhores serviços. Haveria uma clara competição entre os serviços para melhores resultados. Fornecedores de medicamentos, exames diagnósticos e aparelhos médicos deverão mostrar melhores resultados e custos para “participarem” do processo. Provoco as autogestões, que poderão ser as grandes demandadores e incentivadoras deste modelo.
Independente do modelo, promoção da saúde, prevenção de doenças, vida saudável, imunização e diagnóstico precoce ainda são as grandes armas para criarmos valor em saúde. Escolha seu modelo!
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